Prefeito de Ribas do Rio Pardo aponta o surgimento de favelas, superlotação em escolas, excesso de esgoto na ETE e outros problemas após invstimento de R$ 22 bilhões

O que acontece quando um município de pouco mais de 20 mil habitantes recebe uma fábrica com investimento na casa dos R$ 20 bilhões? E o que acontece quando outro município, esse com população ainda menor, a 230 quilômetros dali, recebe um investimento superior? E se, no meio do caminho, mais uma cidade se prepara para ter um empreendimento semelhante?de MS e gera corrida da celulose

A expectativa de emprego, aquecimento do comércio local e avanço da infraestrutura se choca com queixas de especulação imobiliária, escassez de mão de obra e o risco de crescimento desordenado.

Esse é o cenário em que vive hoje a região leste de Mato Grosso do Sul. Os recursos são parte de uma série de projetos da indústria da celulose, que estão transformando a economia e a vida dos moradores de pequenas cidades.

Em maio, o governo do estado sancionou uma lei que passa a denominar oficialmente como Vale da Celulose a área impulsionada por essa cadeia produtiva.

É o caso de Inocência, cidade pacata com 8.000 habitantes, que a chilena Arauco escolheu como destino para o maior investimento da história da empresa: a construção de uma fábrica com capacidade de produção anual de 3,5 milhões de toneladas de fibra curta de celulose –projeto de R$ 25 bilhões.

A obra tem hoje 6.000 trabalhadores, que convivem com a população local, e chegará a 14 mil homens no pico da construção.

É também o caso de Ribas do Rio Pardo, onde foi inaugurado um projeto da Suzano com produção superior a 2,5 milhões de toneladas por ano. Outros R$ 22 bilhões em investimentos. A cidade recebeu migrantes de todo o país, que vieram em busca de emprego na fábrica e nos outros negócios estimulados pelo crescimento da cidade.

Mais ao sul, Bataguassu espera receber um projeto da Bracell, estimado em R$ 16 bilhões, que está em fase de estudos e exigências legais.

VALE DA CELULOSE
No ano passado, representantes do setor de papel e celulose anunciaram investimentos de R$ 105 bilhões no país até 2028 em abertura de novas fábricas, ampliação de unidades existentes e escoamento da produção, tendo Mato Grosso do Sul como principal estado. Essa onda vem acompanhada de outros bilhões direcionados à logística, em projetos como a recém-leiloada Rota da Celulose e terminais privados.

Nos últimos 15 anos, a área de eucaliptos no estado subiu de 340 mil hectares para mais de 1,6 milhão de hectares, segundo dados do governo. Água Clara, Aparecida do Taboado, Brasilândia, Inocência, Paranaíba, Ribas, Santa Rita do Pardo, Selvíria e Três Lagoas concentram 87% da produção sul-mato-grossense.

Para Jaime Verruck, titular da Secretaria de Desenvolvimento, um dos gargalos é a questão da mão de obra, que se divide em dois momentos. A construção atrai homens que já atuam no ramo, vindos de Norte, Nordeste e países como Venezuela ou Paraguai. Já o pós-obra demanda maior capacitação.

No fim da construção, quem fica são os trabalhadores que atuam na operação florestal e os da base industrial, um contingente menor, que demanda capacitação técnica, mas também moradia, saúde e educação.

“A habitação popular impacta diretamente a retenção da mão de obra”, diz o secretário.

Segundo ele, governo do estado, prefeituras e empresas estão comprando terrenos para a construção, além de programas estaduais em parceria com a Caixa para estimular o financiamento para os novos moradores.

A reportagem da Folha visitou o Vale da Celulose, passando por municípios que vivem diferentes momentos da onda de investimentos. Em Ribas, onde a fábrica da Suzano já entrou em operação, ainda há um clima de improviso. A cidade tem contêineres usados como hotéis e salas de aula para capacitação.

DRAMA EM RIBAS DO RIO PARDO
O prefeito Roberson Moureira (PSDB) aponta um cenário caótico. “As pessoas vieram pelo boom [gerado por boatos de que seria] a cidade mais rica do mundo. A notícia correu. Vieram, mas não tinham qualificação. É um problema grave que temos de resolver no estado. Invadiram áreas públicas, e hoje temos favelas. Temos de construir casas”, diz.

O contraste do progresso fica evidente em uma favela vizinha a uma vila de casas recém-construídas. “O problema foi amenizado com uma ação da própria Suzano. Entregamos 954 casas que a Suzano construiu para os trabalhadores dela. Mas se não tivessem feito isso, acho que nem conseguiriam tocar a fábrica”, diz Moureira.

O fluxo ainda cresce. “Quando chega uma família, chegam filhos para estudar. O estado entendeu isso e construiu escola, mas não deu tempo de inaugurar. Estamos colocando alunos na biblioteca, em sala de professores. O número de matrículas subiu 20% neste ano”, diz.

O impacto também atinge a rede de saúde e saneamento. O prefeito estima que a cidade, que tinha 23 mil pessoas no censo de 2022, já tenha chegado aos 30 mil, superando a previsão do IBGE.

“Temos esse cálculo porque as ligações de água saíram de 6.000 para quase 10 mil. E ainda tem muita gente trabalhando em Ribas e morando em Campo Grande. Queremos que todos venham morar aqui, que sejam cidadãos locais e contribuam. Tem de preparar a cidade para isso”, diz.

Segundo o prefeito, os novos loteamentos, condomínios e alojamentos pressionam a rede de esgoto, que tem capacidade de 20 litros por segundo na estação de tratamento, mas o despejo chegou a 35 litros.

Procurada pela Folha, a Sanesul diz que planeja expansão. “O município vive um crescimento em razão dos investimentos, o que tem ampliado a necessidade de novas redes e ligações de esgoto dos imóveis que estão surgindo e que, provisoriamente, usam fossas sépticas”, diz a empresa de saneamento.

A Suzano diz que investiu mais de R$ 300 milhões no município em ações nas áreas de saúde, educação, habitação e segurança pública, como a ampliação do hospital municipal com novos leitos e UTI, a construção da unidade da Polícia Rodoviária Federal, delegacia de Polícia Civil com viaturas e outras iniciativas como capacitação de professores.

Com capacidade para 2,55 milhões de toneladas por ano, fábrica funciona desde julho do ano passado em Ribas do Rio Pardo
LIÇÃO
Em Inocência, que está ainda na fase das obras, o prefeito Toninho da Cofapi (PP) diz que tenta tomar como exemplo o aprendizado dos casos de Ribas e Três Lagoas, que já estão em um momento avançado do processo de investimento.

Theofilo Militão, um dos diretores da Arauco, afirma que a empresa já financiou um plano diretor para o município.

Além de alojamento, Militão diz que a Arauco está construindo, com investimento próprio, uma vila com 620 casas para tentar mitigar a pressão inflacionária sobre os imóveis. “Também temos conversado com investidores para que olhem para essa região, porque essa é uma demanda que vai existir”, diz o executivo.

O prefeito diz ter feito contato com redes de varejo regionais na tentativa de atraí-las para atender o crescimento de Inocência.

EXPLOSÃO DO PIB
Cidade mais madura do Vale da Celulose, Três Lagoas viu seu PIB per capita subir de R$ 38.507 em 2010 para R$ 104.352 em 2021. Com unidades da Eldorado e da Suzano em operação, foi o primeiro município do estado a abrigar uma fábrica de celulose em 2009, mas ainda lamenta lacunas como o acesso aeroportuário.

Neste ano, na esteira da crise da Azul, a aérea cortou os voos que serviam Três Lagoas. Agora, segundo o prefeito Cassiano Maia (PSDB), a ideia é tentar atrair a Gol com o argumento de que não vai faltar demanda por voos em meio ao avanço da região.

Fonte: DA REDAÇÃO Correio do Estado